SER CEGO – 4ª. PARTE
“Desvenda os meus olhos, para que veja as maravilhas da tua
lei. Salmos 119:18”.
Em janeiro de 2011 por conta da oscilação da minha pressão
arterial, minha filha me levou para morar em seu apartamento. Ali se iniciava
um período de dores, angústias e surpresas.
Apesar de estar ao lado de minha filha, meu genro e meu neto
eu não podia fazer as coisas que gostava, ou seja, ir para a SAC. Minha filha
não deixava eu sair sozinha porque eu teria
que atravessar duas largas avenidas, então eu só saia quando ela me levava de carro. Nessa
época ela vendia confecções, era “sacoleira” então os horários eram muito
diversificados.
Além de toda essa correria meu abençoado olho direito
começou a me dar problemas, sendo necessárias, várias visitas ao meu médico
doutor Adriano Almeida. Fui algumas vezes ao centro cirúrgico para ser
examinada anestesiada, devido as dores que eram cruciais.
Em maio ainda comecei a ensaiar a quadrilha para as festas
juninas, mais não aguentei. Em junho as dores eram insuportáveis mais mesmo
assim no dia 30 de junho lá estava eu, com minha filha e meu neto Yuri no
encerramento do semestre, para assistir meus colegas dançarem a quadrilha. Ao
entrar na SAC encontrei-me com a dra. Cláudia do Serviço Social e ela me
perguntou:
- Como está o seu olho?
Tirei os óculos escuros e mostrei para ela que logo me
respondeu?
- Venha amanhã aqui muito cedo para o dr. Adriano ver esse
olho.
Era uma sexta feira o dia 01 de julho de 2011. Quem estava
no serviço social era a dra. Socorro
Alencar que ao ver o estado de vermelhidão e inchaço do meu olho me levou
imediatamente para ser vista pelo dr. Adriano. Na ante sala do médico me
encontrei com uma amiga cega, Eunice e como tínhamos levado meu neto minha
colega ficou com ele enquanto conversávamos com o médico.
Depois de um demorado exame, o doutor afastou a cadeira e
perguntou para minha filha:
- Você é filha, né?
E quase gaguejando falou:
- Aqui já não podemos fazer mais nada. Sua mãe está com o
olho direito infeccionado e a única coisa a ser feita é a evisceração desse
olho. Essa infecção pode se espalhar pelo corpo e ela ir parar numa UTI ou até
vir a óbito.
Ouvi longe o soluço da minha filha e eu também gaguejando
perguntei:
- O senhor faz esse tipo de procedimento?
Muito longe ouvi ele dizer:
- Fátima, converse com seus amigos que usam próteses, vai
ser um alívio, você nunca mais vai sentir essas dores.
Ele me guiou até uma cadeira fez algumas anotações no
computador e depois disse:
- A prótese interna eu lhe dou. Vamos até o serviço social
falar com a dra. Socorro.
Minha filha falou para minha amiga Eunice e só então nós
duas choramos abraçadas. Eu ouvi a voz do meu netinho chorando e dizendo:
- Não, não eu não aceito que façam uma coisa dessa com minha
vozinha!
Foi marcada uma consulta com outro médico na terça feira (5),
lá clínica da SAC, dali mesmo minha filha comunicou ao seu marido, meus irmãos
e alguns amigos mais próximos. Me despedi de minha amiga Eunice e fomos para
casa. Não tínhamos nada para conversar, sem contar a DOR. Doía o olho, o
ouvido, os dentes, o maxilar e também a alma.
Na terça feira lá nós estávamos para falar com o tal médico,
que para minimizar a situação me passou um tratamento através de uma pomada
oftálmica durante dez dias. A pomada provocou uma alergia e meu olho ficou
mais vermelho que estava, minha filha então ligou para o dr. Adriano que eu
estava febril. Então foi marcada uma outra consulta na SAC com outro médico
para ser confirmado o diagnóstico. O médico concordou com o diagnóstico que eu
tinha que ser levada imediatamente para o Instituto José Frota –IJF, o maior
hospital de emergência e urgência do Ceará, e procurar o dr. Abel, cirurgião
oftalmologista.
Apesar de estarmos de férias todo dia recebia muitas
ligações de meus amigos cegos e numa dessas ligações meu professor de
Informática e Presidente da Academia da qual sou membro, ligou para me dizer
que ele me daria a prótese externa, estética. Nessa ocasião pude sentir o
quanto eu era querida e amada por tantas pessoas.
O procedimento de evisceração foi marcado para o dia 19.07,
uma terça feira. Eu tinha que ir cedo e em jejum. Fomos deixar meu neto na casa
de minha irmã e de lá saímos em direção ao hospital eu, minha filha sem
condições de dirigir preferiu deixar o carro em casa, fomos com meu genro. O
silêncio era palpável. O dr. Abel chegou às nove horas e eu fui a primeira a
ser chamada. O médico fez um longo exame, se levantou e iniciou uma conversa
assim:
- Ainda existe uma saída para esse olho! Existe um
procedimento que não é feito aqui mais pode dar certo. Você faz e se não der
certo, todas as terças feiras estou aqui nesse horário.
Eu e minha filha saímos dali quase correndo, apanhamos um
táxi e fomos para a SAC para falar com a dra. Socorro e saber onde e como
poderíamos fazer a tal Alcoolização. No dia 20/07 lá estávamos no Hospital
Leiria de Andrade. Passei 1o. por uma triagem e marcaram meu retorno para o
dia 26/07. Debaixo de uma angústia muito grande falamos com o dr. Gustavo e ele
acatou de fazer o procedimento no outro dia, só com um detalhe tinha que ser
particular, pois eu não tinha mais condições de esperar e pelo SUS ia demorar
muito. Fomos para secretária tratar dos papéis para ser feita o procedimento
que custava pela Fundação Leiria de Andrade o valor de R$ 800,00, minha filha
ligou para meu genro, ele ia fazer um empréstimo no Banco, podia assinar os
papéis. A secretária levou os papéis para o dr, Gustavo assinar e quando voltou
falou para nós duas:
- Sua mãe é mulher de sorte, ela vai fazer pelo SUS, o dr.
Gustavo fez uma troca de uma cirurgia eletiva e colocou sua mãe como de
urgência.
No dia 27/07 fiz a Alcoolização que é um procedimento como
de um canal num dente, é matar o nervo do olho. As chances são poucas mais no
meu caso deu certo e até hoje, nunca mais meu olho direito doeu. A dor foi
embora então era só felicidade, orações de agradecimentos, muitas felicitações mais o melhor ainda estava por vir.
No dia 25 de agosto é aniversário de nossa amiga Cris
Pontes, e sua família ia fazer um jantar de surpresa para ela, então minha
filha falou para mim;
- Mãe a senhora está tão bem, vamos para o jantar da Cris,
nós vamos voltar cedo porque amanhã é sexta feira, todo mundo trabalha
inclusive a Cris.
Então fomos, me acomodaram numa cadeira e eu comecei a
sentir uma confusão na cabeça, comecei a ver uns vultos, as luzes do ambiente e
de repente eu vi a cor das paredes do lugar onde eu estava as pessoas começaram
a criar formas e cores. Meu neto foi até onde eu estava e perguntou:
- A senhora tá gostando vovó?
Então eu perguntei:
- Yuri as paredes são amarelas e tem um friso vermelho em
volta, né?
O menino aquiesceu e saiu, sem notar o que eu perguntara.
Fiz a mesma pergunta para minha filha, ela também não notou nada. Fui para casa
e lá pude ver as imagens distorcidas da TV ligada, a tela do computador... Fui
dormir.
No outro dia quando acordei vi o quarto do meu neto pintado
de azul e pude ver o rosto do meu netinho que há seis anos eu não via. Não me
contive e falei para ele que estava enxergando e ele me disse horrorizado:
- Vovó deixa de falar isso, ninguém vai acreditar na
senhora;
Acho que ele pensou que eu tinha enlouquecido. Depois que
ele saiu com o pai dele para o colégio peguei o controle da TV e li na tela:
Alexandre Garcia. Fiquei algum tempo ali vendo o Bom Dia Brasil, a guerra do
Iraque. Então o celular da minha filha tocou, levei-o até seu quarto e quando
ela desligou eu falei para ela?
- Angélica eu estou enxergando pelo olho esquerdo!
Como era uma sexta feira tentamos entrar em contato com o
dr. Adriano, então a consulta ficou para segunda feira. No domingo fomos para a
Igreja Batista Central de Fortaleza, eu sem bengala, ainda um pouco zonza mais
no geral estava bem. Na segunda feira (29) fomos para o dr. Adriano que ficou
feliz ao me ver tão bem, então perguntou:
- E aí como você está, sem dores?
Então respondi:
- Eu estou bem, até enxergando eu estou!
Perplexo o médico aí foi que notou que eu não estava usando
bengala e olhava para ele observando seu rosto que eu via pela 1a. vez. Depois
de examinar meu olho esquerdo ele perguntou:
- Você já foi para alguma igreja agradecer o que aconteceu
com você, porque eu mesmo não sei explicar o que houve. Acho que foi uma graça
de Deus que você recebeu.
Ele prescreveu um exame computadorizado para ver a situação
da córnea esquerda e o diagnóstico não mudou: Distrofia Corneana.
Meu diagnóstico: Olho direito cego. Olho esquerdo: Visão sub
normal;
O que vejo: Todos
os objetos que estão ao meu alcance, os ambientes onde estou, leio bula de
medicamentos, qualquer letra de bíblia, na internet minha fonte é 18. Tenho uma
boa mobilidade de dia e a noite tenho restrições por conta do alto astigmatismo,
não necessito usar óculos de graus, somente os escuros durante o dia, quando
estou fora de casa.
E Viva a Vida!
Fátima Silva
13.11.14
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