domingo, 9 de novembro de 2014

SER CEGO - 3a. PARTE

"O essencial é invisível aos olhos"
Na segunda semana de janeiro de 2006 fui levada pela minha filha Angélica Braga para o meu 1o. dia de aula na Reabilitação do Instituto Hélio Góes da Sociedade de Assistência aos Cegos-SAC. Muito nervosa minha filha deixou-me aos cuidados da professora Cristiane. Fui levada a um pátio  e me sentei num banco de cimento. Ouvia uma algazarra de gritos, risadas e o toc, toc de bengalas.
Depois do toque da sineta todos ficaram calados enquanto alguém falava, hoje sei que era um professor. Depois fui levada para uma sala de aula e recepcionada por minha colega chamada carinhosamente de Help. Maria do Socorro (Help) fora professora de química da UFRJ e retornara para Fortaleza para ser cuidada por sua mãe, pois era diabética e estava cega.
Minha turma era composta de Ribamar, Tarcísio, Eunice, Leonardo (falecido), Alfredo, dona Francisca, dona Edite, eu e Help (falecida).
Passados os primeiros dias contratei o serviço de um transporte escolar. Meu irmão mais velho Augusto Silva colaborou com a compra da bengala e de um relógio sonoro.
Iniciei um novo tipo de leitura com os livros falado da Biblioteca, aulas de Braille, de Mobilidade, Informática. Como tinha computador em casa, minha filha baixou o programa DOSVOX, com síntese de voz.
Foi um ano muito difícil, vivia num mundo de vultos, sombras...
No dia 14 dezembro de 2006 meu médico, Waldo Pessoa, foi brutalmente assassinado em sua clínica.
A partir daí entrei num processo de depressão, pois o meu pai além de todas suas complicações pulmonares e cardíacas foi diagnosticado com o Mal de Alzheimer.
O ano de 2007 ficou marcado na minha vida. Eu vivia numa profunda tristeza, quase não ia mais para as aulas, nessa época eu já ia para Escola sozinha de ônibus.  Ouvi muitas barbaridades, imbecilidades, inclusive minha filha, pelo fato de sair sozinha. No 2o. semestre iniciei um tratamento de psicoterapia e em janeiro de 2008 voltei a frequentar as aulas regularmente.
Em 2006 quando tive acesso ao sistema DOSVOX comecei a escrever mais ninguém sabia dos meus textos, então em 2008, ia a julgamento o homem que havia assassinado o doutor Waldo. Eu tinha escrito um texto com o título DE OLHOS NA ESCURIDÃO.
Com muitas reservas mostrei para minha filha, perplexa ela me aconselhou a mostrar  na Escola o meu texto. Nunca senti tamanha emoção ao ouvir o que tinha escrito no auditório da Escola.
A viúva, dona Josélia Almeida, quis me conhecer e pediu permissão para que fosse feita uma panfletagem com meu texto no dia do julgamento.
Em maio de 2008, meu pai veio a falecer aos 91 anos. Houve uma preocupação entre os meus familiares, porque minha aposentaria tinha sido negada em todas as Instâncias, ou seja, eu era sustentada por meu pai. Em junho  ao dar baixa do seu benefício fui orientada pelo Serviço Social da Previdência Social a requerer para mim como pensionista por deficiência.
A mesma Junta Médica que negou minha aposentaria por invalidez me aposentou como pensionista do meu pai. Meu pai nunca me abandonou em nenhum momento da minha vida e ainda hoje sobrevivo financeiramente desse benefício.
Depois disso veio o convite para fazer parte de um projeto de termos uma academia de letras na SAC, com pessoas cegas. Meu livro AS AVENTURAS NOTURNAS DE SONECA E BOCEJO, já estava escrito, só faltava um patrocinador.
Então no dia 19 de setembro de 2008 fui empossada como membro da Academia de Letras e Artes da Sociedade de Assistência aos Cegos-ALASAC, tendo como patrono Francisco Waldo Pessoa de Almeida, cadeira no 4.
O ano de 2009 foi muito rico de aprendizado, participei de muitas oficinas, congressos, sessões na Assembléia Legislativa, tudo que envolvia a pessoa com deficiência, eu participava.
No dia 19 de setembro de 2010, Dia Nacional da Pessoa com Deficiência lancei meu livro infanto juvenil através da Editora Premius.
A minha apresentação foi feita por neto Yuri Braga.
Foi um dia inesquecível, Eu estava CEGA, mais produzia...
Senti o orgulho de minha filha, meu neto, genro, dos meus irmãos e amigos.
Pude mostrar para Sociedade que a pessoa cega enxerga com as mãos, com o olfato, com o paladar, com a audição e principalmente com os olhos da Alma.
Em 2011 voltei a enxergar...


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