quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

VIAGEM SEM VOLTA


Eles trazem no olhar a tristeza, a angústia mesclada atrás de uma máscara de conformismo ou uma velada revolta.
Atrás de cada rosto existe uma história de dor, surpresa, espanto e medo.
Medo da Morte que espreita com seus olhos obscuros somente um pequeno deslize, uma virose oportuna ou qualquer outra infecção e Ela sorrateiramente se infiltra trazendo patologias sérias e as vezes como uma decepção por não ter tido  êxito nas investidas deixa marcas indeléveis, incuráveis.
Ao atravessar os portões do Hospital não se vê nada de diferente de outras unidades de saúde, o vai e vem de pessoas vestidas com seus jalecos brancos, alguns de máscaras e touca na cabeça. Em cada setor há pessoas sentadas a espera de algum atendimento, no laboratório, nos ambulatórios, nas marcações de consultas e exames, na farmácia onde os medicamentos são entregues em sacolas pretas, são os coquetéis para o tratamento da AIDS.
Algumas pessoas já se conhecem e perguntam por outras que nunca mais viram, um universo desconhecido e regido pelo preconceito da desinformação, das mazelas trazidas pela sociedade que pune duramente a pessoa que contrai HIV/AIDS.
No pátio ambulâncias entram e saem trazendo ou transferindo pacientes para o interior do Estado ou para algum outro hospital especializado em outras patologias.
Homossexuais dão gritinhos de histerismo tentando mostrar que estão de bem com a vida e estão ali somente para cumprir o calendário de suas consultas e exames. Homens e mulheres  de cara fechada de aspectos comuns tentam não se aproximar de ninguém e saem dali o mais rápido possível, não querem que o dedo acusador da sociedade os aponte por erros que estão num passado distante.
Nas enfermarias de emergência rostos e corpos cadavéricos cobertos por lençóis enquanto a medicação pinga gota após gota num tempo interminável. Uns dormem, alguns só cochilam enquanto outros olham fixamente para o teto tentando enxergar um ponto de início ou quem sabe tentam esquecer onde estão ou o que fazem ali.
Aquela placa lá fora escrita em bronze: Doenças infectocontagiosas descerra dores morais, físicas e sentimentais.
O Ministério da Saúde distribui grandes quantidades de camisinhas, incentiva através da mídia e das redes socais. Faça o teste é rápido, grátis e sigiloso. E ainda acrescenta que o tratamento é imediato no caso de dar um resultado positivo.
Se o exame vier a ser  positivo palestras são disponibilizadas, cartilhas, psicólogos estão a postos para conversar com pacientes, assim como, os familiares. O que se passa na cabeça de um jovem, um senhor já numa idade madura diante de um diagnóstico fatídico que se escreve com quatro letras: AIDS. Depois do primeiro impacto vem a punição através do SE.
Belas histórias de amor interrompidas, casamentos desfeitos isso sem falar nos bebês infectados ainda no período da gestação. Por que o ser humano é tão carrasco e traz sempre uma forca, uma pedra ou um dedo em riste desfiando rosários de moralismo, sermões com rasos pudores fétidos, encapuzados na hipocrisia.
E ela, a MORTE, espia os comprimidos esquecidos, abandonados pelo cansaço, pela fadiga da caminhada para a viagem que não tem volta e que o único bilhete que é aceito nessa nave são comprimidos, injeções ingeridos diariamente e o preservativo a mão pois a VIDA pisca o olho enfrentando e muitas vezes mudando o rumo dessa história.
Fátima Silva
11/12/14


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