sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

POR QUE RAIMUNDA NÃO CASOU?


Eram três meninas e dois meninos.
Raimunda tinha 16 anos, Graça 14 anos e Dorinha 12 anos.
José 17 anos e João Maria 13 anos.
Aos domingos dona Conceição com seu marido José Maria iam para a primeira missa e junto levavam toda a família. "Seu" Zé Maria trabalhava numa fábrica de móveis e era muito rigoroso na educação dos filhos, as meninas, então, o cuidado era dobrado. Ele avisava para a mulher: - Cuidado com essas meninas Ceiça, tão ficando mocinhas e hoje em dia só tem "cabra" sem vergonha nesse mundo.
A noitinha sentava na calçada para conversar com seus vizinhos que comentavam sobre política, futebol e sobre os salários baixos.
Num certo domingo ao saírem da missa "seu" Zé Maria foi abordado por um jovem de bigode fino, roupa de linho muito bem passada e o cabelo bem penteado. O jovem estava acompanhado de uma mulher gorda vestida de preto da cabeça aos pés. O jovem pigarreou e falou:
- Bom dia "seu" Zé Maria gostaria de ir hoje à noite em sua casa com minha mãe.
O homem nem deixou o rapaz terminar de falar e grosseiramente respondeu:
- Não lhe conheço, então não tenho nenhum negócio a tratar com você, rapaz.
A mulher com o terço cruzado entre os dedos respondeu no mesmo tom:
- "Seu" Zé Maria sou a viúva do Tião, que trabalhou a alguns anos com o senhor e esse é nosso filho Zequinha.
O homem fez um aceno com a cabeça de consentimento, deu bom dia e foi embora com uma ruga na testa de preocupação. Ao chegar em casa entrou no quarto acompanhado de dona Conceição. Os filhos não deram nenhuma importância para a visita da tal viúva e seu filho, mas as meninas foram trocar seus vestidos domingueiros com um sorriso maroto nos lábios. Raimunda já tinha visto os olhares de Zequinha em sua direção nos domingos passados no decorrer da missa.
Dona Conceição entrou no quarto das meninas sem bater e foi logo falando: - O que você andou fazendo Raimunda? Andou se encontrando escondido na saída da escola?
Virou-se para outra filha e aos gritos disse: - Gracinha, o que sua irmã andou fazendo, tá de namoro escondido com aquele tal rapaz?
E com o dedo em riste saiu do quarto falando alto: - Depois dessa visita de hoje, cada uma vai levar uma surra, para deixarem de serem sonsas.
Eram 18:00 quando a viúva e filho chegaram na casa de "seu" Zé Maria. As meninas estavam no interior da casa e somente José, o filho mais velho teve autorização de ficar na calçada para participar da conversa.
A mulher de pé falou com voz grave e destemida: - "Seu" Zé Maria, o meu filho quer pedir permissão para namorar com sua filha Raimunda. Quero lhe dizer que meu filho é um rapaz trabalhador assim como foi o pai, e eu passo o dia costurando para nos mantermos com honradez.
O homem deu um pigarro para perguntar: - E de onde seu filho conhece Raimunda?
O rapaz respondeu prontamente com um sorriso nos lábios: - Aos domingos na igreja, já até me confessei porque quase não assisto mais a missa direito, Raimunda é muito bonita.
O homem fez outra pergunta: - Em que o senhor trabalha e em quanto tempo pensa em se casar?
Zequinha respondeu: - Trabalho numa drogaria e penso em me casar o mais rápido possível, eu e minha mãe estamos
juntando um dinheirinho para essa ocasião.
Zé Maria falou para o filho: - Chame sua irmã Raimunda.
Raimunda apareceu na calçada muito pálida, seus cabelos eram aloirados e sua trança brilhava sobre a luz mortiça do poste.
O pai olha para a filha e diz: - A partir de hoje você está namorando com o filho do meu colega de trabalho falecido a alguns anos. Não quero nada de encontros escondidos, durante a missa de domingo você pode ficar do seu lado e a noite ele vem até a nossa casa para lhe namorar. Agora vá para dentro de casa.
Raimunda junto com sua mãe começaram a bordar lençóis, camisolas, toalhas, guardanapos, toalhas de mesa. Quando completou os seis meses de namoro Zé Maria chamou Zequinha e perguntou: - O senhor já tem uma data para marcar o noivado?
Prontamente Zequinha respondeu: - Daqui a quinze dias, amanhã vou encomendar as alianças.
Raimunda estava exuberante no seu vestido simples e sua trança dourada com uma aliança na mão direita.
Certo dia Zé Maria vinha do seu trabalho e viu Zequinha numa roda de amigos. O olhar de Zequinha cruzou o olhar com o do seu futuro sogro, que lhe fitou e foi embora sem cumprimentar o jovem. Ao chegar em casa o homem chamou a mulher no quarto e lhe disse; - Chame sua filha e lhe diga que o noivado dela está terminado. Aquele camarada é um moleque, tava numa esquina bebendo numa roda de amigos. É um “cabra” safado.
Prontamente a mulher chamou a filha e lhe disse o que acontecera, a moça começou a chorar pedindo a sua mãe que falasse com seu pai para dar mais oportunidade a Zequinha, afinal ele estava apenas se divertindo com os amigos.
Nesse intervalo ouve-se um bater de palmas acompanhado de um: - Oi de casa! Era Zequinha.
Zé Maria saiu para a calçada e expulsou Zequinha sem dar nenhuma oportunidade ao rapaz de se defender.
Daquele dia em diante Raimunda deixou de ir a escola e também não ia mais para a missa, ficava emburrada no canto da cozinha catando o feijão para o almoço.
Com a desfeita Zequinha foi embora com a mãe para outra cidade e por lá casou.
Zé Maria um dia quando ia sair para trabalhar teve um infarto e morreu. Com o choque da morte do marido dona Conceição ficou doente dos nervos, ora chorava, ora ficava de olhar duro sem sair do lugar.
Os irmãos de Raimunda foram casando, inclusive o caçula.
Quanto a Raimunda ficou sozinha com a mãe doente, ainda demonstrava nos traços do rosto fino que fora uma bela moça.
A noite deitava a mãe e ia para seu quarto, fechava a porta e abria uma caixa grande que escondia debaixo da cama. Tirava o vestido de noiva e o vestia, se deitava e dormia.
Uma manhã Raimunda foi encontrada morta, tivera um ataque cardíaco, igual ao que o pai tivera no passado.
Raimunda estava vestida de noiva com sua longa trança de cabelos brancos e a aliança na mão direita.
Fátima Silva
27/02/15





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