quarta-feira, 8 de abril de 2015

ONZE ANOS



Hoje faz 11 anos que sai da prisão, depois de 31 anos e 10

meses preso. Fui aprisionado aos 19 e sai com 51 anos. Quando

conto, muitos dizem: uma vida! Perdeste a juventude e a parte mais

importante da vida. Outros dizem somente: nossa! E logo imaginam

que crimes horrendos praticou esse cara para ficar tantos anos

preso? Isso deve ser uma víbora, deve ser um monstro por haver

vivido tantos anos trancafiado! O preconceito sempre fala mais alto.

Claro, há os que têm dó de mim e até compaixão pelo sofrimento

que imaginam, devo ter passado. Há até quem diga: quanto tempo

perdido! O fato é que para bem ou para mal, ninguém deixa de se

impressionar.

Acho que só eu é que não me impressiono. Apenas vivi o que

havia a ser vivido, o que fazer de diferente se as grades, guardas

armados e muralhas impediam? Claro, sofri horrores. Cada vez que

o choque da PM invadia as cadeias onde estive (e foram muitas),

apanhei como gente grande. Passei por todo tipo de tortura e

sofrimento. Pau de estrada, pau-de-arara, pau de afogamento e

pau de esculacho. Espancamentos com pau, borracha, cano de

ferro, socos, soco inglês e pontapés. Vivi a solidão mais acerba, as

angústias mais pesadas, o tédio mais constante e as depressões

mais doloridas. Enfrentei misérias interiores e exteriores que aqui

fora nem se tem ide
ia de que existam. Encarei celas-fortes

(desconheço celas "fracas"), cafuas, masmorras, celas de castigo,

isolamentos, tudo o que pode haver de pior nas prisões. Me

alimentei com o pão que o diabo amassou muitas vezes; restos,

comida estragada, azeda, até papel higiênico desceu depois de 8

dias de fome em uma prisão. Mas eu apenas lutei para sobreviver,

não podia fazer nada diferente do que as condições permitiam.

Houve a contrapartida também, mas não por conta das

"autoridades"; esses só me sacrificaram o quanto mais puderam.

Rompi com a cultura do crime; estudei e li desesperadamente (12,

14 horas por dia). Aprendi novos valores, conheci pessoas

maravilhosas que me incentivaram e apoiaram nos piores

momentos. É ai que se conhecem as pessoas e eu tive e tenho

grandes amigos, lá dentro e aqui fora. Amei e fui amado. Tive

companheiras magníficas que enfrentaram filas intermináveis por 5,

6 horas, incansáveis. Passavam por revistas humilhantes,

piadinhas maliciosas de guardas escrotos e covardes, foram

descriminadas e enfrentaram muitos preconceitos só porque me

amavam. E essa era a minha maior fonte de dor, doía mais

violência do quando me batiam ou feriam. Minhas homenagens, no

dia de hoje, à essas grandes mulheres.

Aprendi a gostar das pessoas, a ter compaixão por todos

aqueles que sofrem e ser indulgente com aqueles que fazem sofrer.

Não alimentei meu coração de revolta, não odeio ninguém, nem os

que me sacrificaram. Hoje estou ainda metido a escritor, com 5

livros publicados e um em processo de publicação; coluna há 13

anos na Revista Trip; blog com milhares de acessos; fazendo

palestras; Oficinas de Leitura e Escrita; fazendo meus textos de

free lancer em revistas e jornais; participando de movimentos

políticos e sociais; ativo, aberto a todos que me procuram e pronto

para assumir toda responsabilidade que a mim couber. Estou

maduro, responsável, sério e válido para o que for necessário.

Hoje, dia 05/04/2015, completo 11 anos que fui libertado após

cumprir a pena máxima do país e mais alguma coisa. Todo ano,

nessa data comemoro e escrevo acerca do que vivi e cheio de

agradecimento pelas pessoas que me leem, que gostam de mim e

me procuram. Estou pacificado, firme e certo de que estou no

caminho mais correto para mim. Saúdo a todos com um brinde e

desejo do fundo do coração que sejam o mais felizes que puderem;

Saúde!!!

                                               **

Luiz Mendes

05/04/2015.

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