A rua é escura, deserta, sem calçamento, é mais um bairro da periferia.
A menininha não tem mais que dez anos, magrinha, cabelos desengrenhados, seu vestido está sujo e nos pés suas sandálias, estão se descolando. Ela está mais uma vez sentada na calçada, procura na escuridão se vê outras crianças, pois além de está faminta não pode entrar em casa.
A menina olha para o céu estrelado deita na calçada e começa a sonhar. Como estava com fome, sonhou com um enorme sorvete ou quem sabe um sanduíche acompanhado de um refrigerante. Passou as mãozinhas sobre seu pobre vestido e sentiu que usava uma roupa muito bonita, uma saia rodada e calçava sapatos e meias. Ah! E que linda era sua casa, estava toda iluminada, e em seu quarto tinha uma cama macia, os lençóis eram perfumados.
A menina assustada acordou de seu sonho quando ouviu o grito de sua mãe:
- Márcia onde você está? Pode entrar o meu cliente já saiu!
Rapidamente a menininha se levantou, olhou de um lado para outro e viu lá no fim do quarteirão o homem que era cliente de sua mãe. Entrou em casa, viu a cama da mãe em desordem, mas não entendia nada, só sabia que a mãe estava se vestindo para sair, ouviu quando ela falou novamente:
- Vou até o boteco do "seu" João comprar alguma coisa para você comer, depois se deite, pois tenho que sair de novo.
A mulher era ainda jovem sua aparência era desagradável; usava uma saia muito curta e a blusa exibia um decote bastante exagerado, seu rosto ainda tinha marcas de uma maquiagem feita às pressas com produtos de má qualidade.
A menininha ligou uma TV que dava mostras que estava a ponto de não mais funcionar, as figuras do programa estavam distorcidas.
A mulher foi rápida e voltou com uma sacola que jogou no colo da filha. Um pão passado com margarina e uma caixa com suco artificial. Lá de fora a mulher ainda recomendou:
- Vá dormir logo, desligue a TV!
A menininha comeu o lanche, depois deitou na rede num canto do quartinho, seu lençol estava rasgado, jogou a caixa do suco ali mesmo dentro do quarto e dormiu.
Não sabia que horas eram se era sonho ou realidade, mas ouviu que sua mãe chamava alto um homem, sua voz não era normal, parece que tinha bebido.
Pela manhã acordou e sentou na rede e viu a mãe deitada quase nua, coberta apenas com um pedaço de pano que fazia de lençol. A menina abriu a janela com cuidado e olhou para fora, alguns vizinhos já conversavam no meio da rua e como era seu costume pulou a janela e foi brincar com seus amiguinhos. A criançada corria em brincadeiras inocentes onde se misturavam com cães vira latas, vendedores ambulantes.
As crianças correram até uma avenida muito larga onde naquele horário transitavam carros, ônibus, homens em bicicletas. Do outro lado da avenida havia vários condomínios de apartamentos luxuosos, com guaritas e cercas elétricas.
Uma menininha acordou e correu para a janela de seu quarto. O apartamento era num condomínio fechado e lá do alto ela podia ver que as crianças da "favela”, (era assim que seus pais se referiam aquelas casinhas do outro lado da avenida), já corriam de um lado para outro. Algumas iam para um sinal de trânsito e pediam trocados aos motoristas.
Lá do alto a menininha olhava com inveja, pois logo mais a empregada entraria em seu quarto para averiguar se ela já tinha tomado banho, escovado os dentes, penteado os cabelos. Ela tinha dez anos.
A empregada entrou e falou:
- O que você está ainda olhando pela janela? Já está em cima da hora do transporte escolar chegar. Vamos rápido! Seus pais já estão na mesa, Márcia.
A menininha entrou no transporte escolar e começou a sonhar. Viu a si mesmo correndo na beira da avenida pedindo trocados, chupando laranja sentada numa esquina. Sua casa era tão pequenininha que mal dava para colocar as camas de seus pais, que dormiam abraçados.
Seu pai sairia de manhã para trabalhar daria um beijo na sua mãe e a colocaria no colo afagando seus cabelos e dizendo:
- Não chore querida, mas o papai tem que ir trabalhar! Logo mais a noite quero encontrar minhas duas princesas bem bonitas.
Acordou do seu sonho por um toque de celular, era o do motorista, o homem falou alguma coisa para sua auxiliar e continuou seu trajeto.
A moça olhou para Márcia e disse:
- Seu pai ligou Márcia, ele vai viajar a negócios, vamos deixá-la na casa de sua avó.
À noite a menininha jantou sozinha, numa imensa mesa posta só para ela.
Sua avó estava indisposta e, por isso permaneceu trancada no quarto. Sua mãe havia saído para passear com algumas amigas.
Márcia depois do jantar foi para seu quarto, ligou a TV e foi para a janela, com raiva puxou as cortinas. Dali só era possível ver o muro alto da mansão.
A menininha falou em voz alta:
- Que ódio, aqui é pior do que o apartamento. Lá pelo menos eu fico olhando meus "amiguinhos", principalmente a menininha dos cabelos assanhados, de roupa suja e, que às vezes corre até de pés descalços!
12.10.10
Nenhum comentário:
Postar um comentário