quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Espumas de Sabão

A mulher de cócoras desenrolava uma trouxa de roupas sujas e colocava-as sobre uma tábua no chão. Ao lado, uma bacia de alumínio sem brilho cheia de água e à mão uma barra de sabão, no ar bolhas coloridas eram levadas pelo vento. A lavadeira estava em baixo de uma frondosa mangueira e via-se seus frutos maduros brilhando através da luz do sol causticante. Aqui acolá uma manga se despregava do ramo e caia no solo fazendo um ruído abafado pela areia do local. Ela passava o dedo indicador sobre a testa onde o suor acumulava e depois esfregava seu avental molhado no rosto como se fosse um lenço.
Ali próximo uma cacimba com paus atravessados e um carretel fazia ruídos. Uma grossa corda trazia na ponta um balde que era arremessado para o fundo da cacimba com agilidade. Latas de flandres eram cheias com a água muito limpa.
Era de baixa estatura e o corpo roliço coberto por um vestido de tecido rústico. Suas bochechas eram vermelhas e via-se as linhas do tempo em sua testa franzida. Os cabelos eram lisos e compridos enrolados num coque junto a nuca e um pedaço de pano em forma triangular fazia uma proteção do sol em sua cabeça.
Em uma das mãos empunhava um pedaço de pau que "açoitava" com força as roupas mais sujas. A água escorria numa vala onde a espuma do sabão deixava marcas brancas e azuladas nas pedras que encontrava.
Ela mastigava algo que passava de um lado para outro na boca de lábios finos e de vez em quando dava uma cuspida longe de uma gosma escura.
De uma das latas tirava água com um caneco e bebia aos goles e o que sobrava jogava sobre algumas galinhas que ciscavam ali perto. Palhas de coqueiro no chão cobertas com roupas que levavam sol para alvejar. Depois eram enxaguadas e penduradas num varal de arame farpado
e balançavam como bandeiras brancas. Seus filhos brincavam correndo e subindo em árvores próximas onde ela se encontrava. De vez em quando a mulher gritava com voz estridente:
- Olha essa brincadeira perto da roupa menino! Ai de vocês, "filho de uma égua" se sujarem minha roupa!
Os meninos saiam em disparada e continuavam a subir nas árvores de onde tiravam frutos e comiam se lambuzando e limpando a boca com os braços ou passando as mãos nos surrados calções. No final da tarde a mulher tirava cuidadosamente a roupa do varal e enrolava em lençóis muito brancos. E mais uma vez gritava:
- Tenha cuidado com a roupa da cumade Maria, menino!
De volta para a casa o cenário mudava. Uma pequena cozinha, um fogareiro com brasas incandescente e uma panela de barro borbulhava e exalava um cheiro de um caldo com ossos
descarnados. Ao lado um ferro de engomar era alimentado pelas brasas do fogareiro e um dos meninos abanava o ferro com um abano feito de palha. As horas passavam e a noite avançava. A mulher puxa um banco que estava debaixo da mesa onde engomava, senta com o vestido arregaçado sobre as coxas. Olha em volta e sorri. As crianças dormem em redes no pequeno quarto. Sobre a mesa estão arrumadas em pilhas as roupas dobradas, passadas e dependurados em cabides calças e camisas engomadas.
A mulher pensa alto:
- Amanhã muito cedo entrego a roupa da cumade Maria e na volta trago a roupa da cumade Mariquinha que tá de resguardo.


Esse texto foi escrito baseado em lembranças da minha infância e retrata a vida de minha tia Elisa Brasil.

Fátima Silva
08.01.11

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