domingo, 2 de agosto de 2015

MÃOS GENEROSAS


   Não lembro qual dia da semana ela batia no portão da minha casa.
   Eu a conheci quando passei seis meses sem trabalhar porque minha filha ainda mamava.
   Solícita minha mãe ia até o portão e ambas conversavam, depois minha mãe entrava em casa e voltava com algum embrulho, se despediam às vezes em silencio. Dona Helena era o seu nome, tinha vários filhos (não lembro quantos), trazia no colo uma menininha da idade de minha filha. Se queixava de dores no peito, tomava chá de colônia para aliviar.
   Minha mãe também tinha problemas cardíacos, angina, mais fazia tratamento no Hospital Universitário Walter Cantídio. Dona Helena pedia conselhos sobre a dor no peito e mamãe falava: - Eu não lavo mais roupa, não pego peso e olhe que sou bem mais velha que a senhora.
   Olhando para as duas mulheres, mamãe já perto dos setenta anos, pareciam que tinham a mesma idade tão grande eram as dificuldades que dona Helena passava. Em umas férias do meu trabalho vi dona Helena no portão a menina dela vestia um dos vestidos de minha filha, muito curto e apertado pois sua criança era gordinha.
   Os anos passaram as visitas de dona Helena foram escasseando por conta das dores no peito, agora quem vinha era a garota de olhos vivos e gestos inquietos. Mamãe continuava entregando seus pacotes com alimentos e folhas  de colônia, um santo remédio para o coração. Quanto as roupas de minha filha, que continuava magrinha, somente algumas blusas ou short's de lycra eram doados para a garota de pernas grossas e compridos  cabelos pretos.
   Mesmo depois do falecimento de minha mãe e de dona Helena a garota aqui acolá aparecia em nossa porta pedindo esmolas, minha filha já era casada e mãe, ela também era mãe, deixava sua criança na creche e saia a pedir esmolas nas casas onde conheceram dona Helena. Certa vez tentei conversar com a jovem perguntando: - Por que você não trabalha?  Sua mãe lavava roupa, por que você não procura essas pessoas? Por que você não volta a estudar?  As respostas foram evasivas e em seguida estendeu as mãos para receber as moedas que eu  trouxera para lhe dar.
   Ao entrar em casa meu irmão Carlos, que estava de férias do trabalho, me chamou a atenção por
manter conversação com a jovem. Então eu me defendi e disse: - Essa moça  é filha da dona Helena, a mamãe ajudava, são pessoas muito pobres. E espantada escutei meu irmão falar: - Essa moça é conhecida no terminal como prostituta e ladra!
   Fui para a cozinha e de lá olhei para o quintal, não havia mais a planta colônia com seu delicioso aroma, assim como aquelas duas mulheres que conversavam no portão sobre o olhar de duas meninas com destinos tão diferentes.
   Fátima Silva
   02/08/15

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